A Commedia pode ser lida de muitas formas. Dante sugere quatro: como o relato literal de uma viagem, como uma alegoria de ascensão da alma, como instrução moral ou como analogia dos ensinamentos Bíblicos. Essas leituras e muitas outras ocorrem em simultâneo, enquanto acompanhamos Dante na sua crónica de eventos e personagens e ideias que continuarão a assombrar-nos muito depois da última linha. Mas, à semelhança de Dante ao olhar os perfeitos frisos esculpidos pela mão de Deus no Purgatório, sentimos que nada que possamos dizer ou fazer pode responder integralmente à perfeição do poema. Os críticos que anotaram todos os seus pormenores, os poetas que reformularam as suas palavras nas suas próprias línguas, os artistas que tentaram espelhá-la sobre tela, no cinema, na música, até na arquitetura, nunca conseguiram compreender plenamente a Commedia.
Um pequeno fragmento do seu universo pode ser compreendido fugazmente, mas a vasta e complexa totalidade escapa sempre até ao melhor dos seus leitores.
A tentativa de retratar as personagens da Commedia na forma de marionetas pode parecer um gesto peculiar. A marioneta é vista como uma arte menor, como bordar, mas é uma arte antiga que remonta, pelo menos, ao século V a.C. na Grécia. Comecei a fazer marionetas na adolescência e continuei a praticar a arte em segredo. Depois de ler diariamente a Commedia durante quase duas décadas, pensei que poderia oferecer ao poema esta modesta homenagem de um dos seus inúmeros leitores.
COMMEDIA
Iniciada provavelmente quando Dante ainda estava em Florença, mas escrita principalmente durante o seu longo exílio, a Commedia, assim chamada porque tem um final feliz, foi terminada pouco antes da morte de Dante, em 1321.
A Commedia (chamada Divina por Boccaccio) é a crónica detalhada da visita de Dante aos três reinos do Outro Mundo, Inferno, Purgatório e Paraíso, numa busca espiritual em que Dante encontra dezenas de personagens – históricas e ficcionais — que, no final, o ajudarão a estar preparado para receber a visão final de Divindade.